Nesses tempos agitados, não abrimos muito espaço na agenda para refletir sobre o que ainda pode nos encantar. Passamos mais tempo irritados, desviando dos buracos das ruas e dos motoristas grosseiros em um trânsito trancado. Para ajudar, o sinal geralmente fecha quando estamos com pressa. Essa semana, corria pelo atraso e a necessidade de levar o carro para verificar a multimídia que retornou sem funcionar da última revisão. Aliás, situação repetida da penúltima inspeção, na mesma concessionária. Justo eu que praticamente escolho o carro pelo equipamento de som contido nele. Quem já pegou carona comigo sabe, que antes mesmo de ligar o veículo, levo a mão para verificar se ele está ali, inteiro. Depois de questionada, insistentemente, se havia efetuado alguma manobra diferente com o rádio e após minhas negativas, levaram o produto para a oficina. Duas horas esperando o veredito e sequer oferecerem um café ou copo de água. Detalhe: nesse espaço de tempo não entraram clientes naquela revenda. Contei 11 funcionários transitando no salão onde fiquei aguardando. Passavam por mim como se eu não existisse. Todos, com frequência, olhavam para os celulares e bebiam seus cafés quentinhos. Será que quando for adquirir um carro novo escolherei esse lugar "desencantador"?
Saí do ambiente insatisfeita com a notícia de que, com sorte, no prazo de 30 dias, irão entrar em contato para ver a possibilidade da troca da peça. Sinceramente, desejei que não ligassem para saber como foi o atendimento. Tentei manter o bom humor que restava. Ao passar no posto para abastecer, reclamei do preço do combustível com o frentista. Prontamente respondeu: "se prepare, porque vai subir mais na próxima semana!". Respirei fundo, esbocei um sorriso sem graça e segui em frente. Mil mensagens pipocavam no telefone avisando das tantas reuniões, projetos, datas e prazos. O estresse correndo solto e atento para não ter um infarto. Novamente aprisionada entre sinaleiras e crateras na avenida, espiei e vi que, ao meu lado, um senhor batucava, tranquilamente, com os dedos na direção. Olhei um pouco mais e percebi um tom de felicidade. Talvez até um ar de encantamento. Quem sabe, nesse turbilhão, tenha aprendido a desligar dos problemas tamborilando e sorrindo, com o olhar alheio a esse mundo desassossegado.
Contagiada com a graciosidade do desconhecido, procurei ponderar sobre o que me encanta atualmente. Rapidamente encontrei pontos fundamentais: poesia, música, sorrisos sinceros e gentilezas, principalmente as inesperadas. Me alegra quem acredita nas mulheres, inclusive nas oficinas mecânicas. Ah! E aqueles(as) que percebem que ainda precisamos discutir sobre violência e desigualdades de gênero? Que pessoas sensatas e encantadoras! Os(as) que compreendem que as questões sociais e culturais interferem no comportamento humano e, portanto, é fundamental que se invista em educação, por exemplo. Ainda, julgo ser respeitoso e bonito aqueles(as), que mesmo com opiniões contrárias, sabem dar espaço a voz do(a) outro(a).
E os seres que demonstram que não têm preconceito? Que sabem que o racismo ainda existe, consideram isso um absurdo e lutam contra ele. Quão sedutoras são as atitudes de compreensão do que é diferente de regras impostas e já ultrapassadas? Maravilhosos(as) são os que entendem que não se escolhe nascer LGBT e respeitam qualquer diferença. Sem contar nos que sabem que diálogos são melhores do que armas. Fico particularmente fascinada com as mulheres que sabem lutar pelo seu espaço e dar um basta na violência do cotidiano. Essas mesmas que pegam na mão da outra e crescem juntas. Sequências de encantamentos virariam rotina.
Sugiro nos contaminarmos com a energia do encantamento alheio. E você, o que te encanta?